sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Varrer as cinzas


««« As chamas que vão consumindo a floresta de Oleiros, no distrito de Castelo Branco, puseram esta quinta-feira a aldeia de Orvalho em alvoroço, com a população a acreditar que o fogo é mais um empurrão para as pessoas abandonarem o interior do país.
"Parece que querem correr com a gente, que querem que as pessoas saiam do interior do país", desabafa Jorge Marques, artista plástico que trocou este ano Lisboa pela aldeia de Orvalho, à procura de calma e de uma maior proximidade com a natureza. »»»




Isto começa a parecer demasiado óbvio. Eu há que tempos que o digo. E continuo a dizer. Exista ou não uma vontade deliberada — traduzida ou não em actos capazes de acelerar o processo, por parte de pessoas ou entidades interessadas —, haverá sempre quem beneficie da desertificação acelerada do interior. A queima extensiva do território não pode deixar de contribuir para isso. 
Prometem-se reformas, mas, das duas uma: ou as reformas são feitas com as pessoas que vivem no terreno ou são feitas unilateralmente por parte de alguma entidade que pode, ou não, ser o Estado, mas certamente sob a sua supervisão ou conivência. O que parece mais provável é que vingue a segunda hipótese.
A população das zonas atingidas pelos fogos é constituída maioritariamente por pessoas idosas (em muitos lugares quase exclusivamente), que vão paulatina e naturalmente desaparecendo, e não se vê que haja movimentos migratórios capazes de as substituir. Mesmo o regresso de uma parte dos migrantes que fizeram a sua vida activa noutras regiões é apenas uma forma de adiar o despovoamento total: são quase idosos, a partir dos 60 anos de idade, que vão eventualmente dedicar-se a uma agricultura de entretenimento, nem sequer de subsistência. Vão usar o dinheiro das suas reformas para dar uma suposta continuidade à vida dos seus pais, mas apenas isso. É apenas saudosismo e actividade lúdica (até porque parece mal ficar todo o dia em casa ou na taberna local, se ainda existir…) Podem construir umas vivendas com as poupanças acumuladas, adquirir mais umas parcelas de terreno para juntar àquelas que herdaram, comprar uns tractores e alfaias, adiando por 15, quando muito 20 anos, o abandono definitivo das terras. Pode até acontecer que as gerações seguintes façam uma surpresa regressando em força, mas de momento não é isso o que se vê. Em todo o caso, a julgar pela aldeia onde nasci — que se enquadra muito bem neste retrato —, os terrenos que há 20-30 anos ainda estavam cultivados encontram-se agora totalmente abandonados, cheios de mato e em grande parte nem sequer florestados. Muitos dos reformados já perceberam que o esforço não lhes ia compensar e que talvez não fosse o regresso à agricultura a melhor maneira de gastarem as suas prestações mensais.
Alguns, entretanto, plantaram eucaliptos, tanto quanto lhes foi permitido. Mas, como periodicamente as matas são consumidas pelo fogo antes de darem o esperado proveito, os proprietários vão desistindo, cansados. Um dia aparecem por aqui uns representantes de certas empresas ou grupos industriais com propostas para a aquisição de terrenos. Vão comprando e depois plantam eucalipto, que é o mais rentável no curto prazo. Isso já aconteceu no passado, quando essas empresas compraram pequenas courelas e as juntaram em parcelas de 50 hectares, condição necessária para que a plantação fosse, na altura, financiada pelo Banco Mundial (recorde-se que é uma instituição das Nações Unidas).

Nada indica que esta estratégia global de florestação em grande escala com espécies de rendimento rápido (leia-se eucalipto) esteja a ser revertida e seria até ingenuidade ou mesmo idiotice acreditar que tal fosse possível no momento político actual. A legislação que suspende o aumento da área plantada é meramente temporária. Quando chegar um ciclo político de sinal contrário, ela será revertida, se é que alguma vez chegará a produzir efeito.
As tiradas poéticas dos que julgam possível travar o processo de desertificação não passam disso mesmo: são poesia, frases bonitas para aquecer o coração e alimentar saudades. Estas terras não têm a capacidade de sustentar uma população com base na agricultura, porque simplesmente elas não têm qualquer capacidade agrícola. A agricultura, como qualquer outra actividade económica, precisa de ser sustentável. E isso, nos tempos que correm, não tem nenhum outro significado senão o de serem capazes de se pagarem a si próprias e, se possível, gerarem algumas mais valias. Se alguém considera agricultura aquilo que fazem os reformados quando se esforçam por arremedar aquilo que faziam os seus pais e os seus avós… Essa "agricultura" não foi capaz de os sustentar. Empurrou-os daqui para fora. O êxodo rural começou já há muitos anos. O regresso parcial é apenas uma forma de criar a ilusão de que pode ser revertido.
Bem sei que este discurso é inconveniente, especialmente para os políticos locais,  que precisam de votos para se manterem nos seus lugares cada vez mais esvaziados de conteúdo, mas eu não sou político nem tenho aspirações a sê-lo. Posso dar-me ao luxo de ser (quiçá apenas parecer) um tremendo pessimista. O pessimismo não é simpático e por isso não atrai votos. E sofre ainda do grave mal que é a capacidade de acelerar o processo que critica. Mas neste caso o optimismo também não impede o desfecho, apenas o vai adiando, porque, aliás, "resistir é preciso". "Só saio daqui arrastado à força", "Enquanto há vida há esperança", "Isto não pode morrer", …  são tudo frases que apelam ao sentimento. Mas o xisto e o granito são duros, os calhaus improdutivos, a água é cada vez mais escassa e já passa contaminada com a química da indústria que vive da única matéria-prima existente… até o ar é mal-cheiroso, por causa dessa mesma química que sai das chaminés… vieram os fogos e os poucos turistas — pobre miragem salvadora… —  foram embora assustados quase todos, porque só resta cinza numa paisagem enegrecida.
Olha-se para o mapa das áreas ardidas e parece que até o vento foi cúmplice. Os fogos vieram lá de longe, foram alastrando em leque, alargando e espalhando as frentes, até se encontrarem todos junto ao rio, chegando a transpô-lo, a avisar esta outra área de que também não está a salvo.

Optimismo?...

sábado, 8 de julho de 2017

Espanto


O que me espanta — e, se calhar, não devia espantar — é haver pessoas, supostamente inteligentes, que querem a todo o custo que ESTE governo seja o ÚNICO culpado pela tragédia de Pedrógão. 

  

Atiçar fogos em vez de os apagar...



É daquelas situações em que se aplica a frase: "ou bem que é, ou bem que não é".
Ou bem que somos, ou bem que não somos. Se somos, assumimos por inteiro. Se não somos, mantemo-nos bem caladinhos. Enquanto cidadãos de um país livre, podemos dizer o que quisermos, dentro dos limites que a lei imponha. Enquanto responsáveis de alguma coisa, só podemos dizer o que se enquadrar dentro do nosso campo de responsabilidade. "Mandar bocas" não ajuda nada. Pão pão, queijo queijo.
O que não se pode é andar aí a dizer "nós estamos aqui de boa vontade para ajudar" e depois andar a fazer as exigências e acusações que nos dêem na gana.
Como cidadãos, todos somos livres de fazer política. Como responsáveis de qualquer coisa, estamos obrigados aos limites que nos impõe o nosso estatuto.
Mas eu percebo: quando o estatuto é vago, os limites são imprecisos. É aí que não se sabe bem o que é, nem o que não é.

Mas no fundo as declarações de certos personagens têm o peso que têm. Há é muita gente interessada em empolar o que não precisa de ser empolado. E aí, um fulano, ao ser usado, é apanhado na teia. Se sabe que vai ser usado e persiste, é porque está disposto a ajudar quem o usa. Se não sabe, é um imbecil. No primeiro caso, podemos acusá-lo de má-fé. No segundo, temos de lhe dar o desconto…
É ou não é?


quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Abortos



Elefante que não chegou a nascer. Mas os desmanchos também custam dinheiro e a barriga fica com cicatrizes.

A-26, um aborto de auto-estrada.



segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Opinião


Penso que boa parte do mundo ainda não se apercebeu da enormidade que acabou de acontecer na América. Vão acabar por o perceber da pior maneira. Mas o mal já está feito. Pagamos todos.

Trump e o seu governo vão rapidamente começar a ser encurralados, é certo, mas o processo vai levar demasiado tempo a produzir o seu afastamento. Demasiado, porque ele nunca deveria ter chegado onde está.

A democracia pode produzir equívocos e este é um deles.


Criteria


Se te avaliam segundo critérios com os quais não concordas, ou tu ou os critérios estão errados. Ou ambos estão errados: tu e os critérios.

Foleiros

Como em todo o lado, devia haver uns que eram foleiros, outros que não, embora de todos se esperasse que dessem ao fole.



Cinismo







Apresentação


Este blogue já teve em tempos algum conteúdo — não recordo bem qual — ou talvez não tenha passado da intenção disso mesmo. Pouco importa. O que importa agora é que ele vai passar a conter — em princípio — aquilo que, nas chamadas redes sociais, pode ser considerado como capaz de derrubar pontes. E não é para isso que servem as "redes sociais", em princípio.
Então, como é que um blogue designado precisamente como "não se derrubam pontes" tem como objectivo albergar conteúdos susceptíveis de provocar isso mesmo  — derrubar pontes?
Pois bem: para permitir que, antes que as pontes entrem prematuramente em colapso, se veja a razão pela qual é bom que elas não caiam. Paremos um bocado no tabuleiro da ponte, olhemos as águas que correm em baixo, aspiremos o ar fresco que percorre o vale, admiremos o voo daquela ave que passa... e deixemo-nos espantar pela magia daquele som que não se sabe de onde vem, se de uma ou da outra margem, mas tão nítido que o seu eco parece conter em si toda a paisagem...


Aquilo que se diz ou escreve tem sempre algum efeito — desde que seja ouvido ou lido, como é evidente. Mas às vezes — demasiadas vezes — esse efeito é exactamente o oposto do pretendido. O fenómeno nada tem de estranho, uma vez as causas descobertas. As palavras podem ser sempre as mesmas, mas elas soam de maneira diferente — às vezes muito diferente — consoante as "salas" em que são pronunciadas e escutadas, consoante quem está presente, consoante quem se julga destinatário delas. Como diria o outro, naquela expressão que, não o parecendo, é tão cheia de significado: "é complicado...".

Dito de forma um pouco retorcida, para aqui virá tudo aquilo que, parecendo capaz de derrubar a ponte, é antes mais uma pedra para a sua construção. A pedra é áspera e o seu peso capaz de nos partir a espinha. Por isso, não são de esperar aqui amenidades. Isso fica lá para a sala das visitas.


Podia-se deixar tudo no OneNote ou noutro arquivo qualquer que desapareceria juntamente com o computador. Mas então, a utilidade seria nula, ou quase (e, por utilidade, entenda-se tanto o benefício como o prejuízo, que por aqui tenta-se não ter presunção de bondade).

Nesta "sala" entrará apenas quem quiser, mesmo que lhe tenha aparecido algures uma sugestão. Não se serve café, mas por outro lado também não se fuma...